quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sexo com prostitutas: a ótica do cliente

A ótica dos clientes
Ao longo de sua carreira acadêmica, a antropóloga Elisiane Pasini realizou pesquisas etnográficas em três universos de prostituição: as ruas centrais da cidade de Porto Alegre (1997/98), a Rua Augusta, em São Paulo (1999) e na Vila Mimosa, no Rio de Janeiro (2004). Neste último, durante o trabalho de campo para sua tese de doutorado na Unicamp, ela caminhou pelos galpões, pelos bares, viveu o cotidiano das pessoas, ouviu histórias de paqueras, de sexo, de violências, dos clientes preferenciais, das negociações. Viu o caminho habitual dos freqüentadores, o que comiam, o que bebiam, as músicas que ouviam. Conviveu com os homens e as mulheres que fazem da Vila Mimosa um dos pontos de prostituição mais famosos não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Seu intuito era olhar para os homens que freqüentavam o local e compreender o lugar do masculino naquele contexto.
“Sempre tive curiosidade etnográfica em olhar para o agente não marcado dessa transação – o cliente. Até porque a bibliografia específica incide sempre sobre o agente marcado – a prostituta. A bibliografia sobre os clientes, principalmente a brasileira, trata como se eles fossem invisíveis – o cliente é menos visto, menos falado, menos questionado, em comparação à prostituta”, pontua Elisiane no artigo “Sexo com prostitutas: uma discussão sobre modelos de masculinos”, que faz parte da coletânea Prazeres Dissidentes, publicada pelo CLAM e pela Editora Garamond em 2009. Na entrevista a seguir, a pesquisadora fala como se constroem os modelos de masculino e as relações de gênero no contexto estudado e sobre os modelos de masculinidades que encontrou em seu trabalho de campo.
 

Por que a escolha do "cliente" como foco de sua pesquisa? 
 
Apesar da grande importância e constante presença dos clientes como parte constitutiva do universo prostitucional heterossexual, esses homens são pouco conhecidos. Por isso, quis investigar os sujeitos consumidores de sexo, o outro da relação da prostituição. Nisso também havia uma demarcação a respeito do lugar da mulher na sociedade. Estava cansada de observar que a atividade da prostituição era vista como se apenas a mulher fosse a responsável, quando na verdade, por se tratar de uma relação, homens e mulheres são. Assim, meu trabalho de campo na Vila Mimosa buscou conhecer os clientes da prostituição daquele contexto. Ora, se tanto se falava nesses homens, era preciso saber quem eles eram.
 
Em sua pesquisa é utilizada a categoria "homem frequentador" e não "cliente". Existe alguma diferença entre os termos?
 
Já em minhas primeiras incursões uma questão se impôs: circunscrever o universo de pesquisa na categoria “clientes” era demasiado limitado para dar conta da riqueza e da complexidade que envolvia os homens naquele contexto de prostituição. A procura por relações sexuais é uma, mas nem de longe a principal, dentre inúmeras razões que levavam aqueles homens à Vila Mimosa. Como, então, eu poderia me referir a esta especificidade? Para dar conta desta complexidade, utilizei a categoria “homens freqüentadores”, a qual englobaria a multiplicidade dos laços destes diferentes homens com a Vila Mimosa: sociabilidade, trabalho, relações sexuais.
Nas primeiras incursões ao campo de estudo percebi que o fato de estar em um local no qual a prostituição acontecia, não significava que todos os homens que o freqüentavam fossem, de fato, clientes. Nas conversas e nas observações ficou nítido que, nesse contexto de prostituição, havia outras motivações para os homens estarem ali além da mera busca por sexo. Alguns desses homens estavam naquele local para conversar, beber, olhar as mulheres, enquanto outros mantinham algum tipo de trabalho: donos ou gerentes de estabelecimentos, taxistas, vendedores, entre outros. Toda esta diversidade de homens foi tratada como freqüentadores. A categoria “freqüentador” é uma categoria empírica, que ilumina uma regularidade que está presente em outros locais de prostituição feminina: um masculino que é “entre”, isto é, que está entre uma posição e outra, entre ser e manter um tipo de prática ao invés de outra. Os freqüentadores são aqueles que podem vir a ocupar outro lugar na relação: um cliente, um marido, um protetor, um privilegiado. Trata-se daquele que tem a possibilidade do movimento, da transitoriedade. Todos os homens são freqüentadores e apenas uma pequena parcela destes são clientes.
 
A principal discussão da tese foi como se constituem masculinidades e feminilidades no universo da Vila Mimosa. De que maneira se constroem os modelos de masculinidades e as relações de gênero no contexto estudado?
 
É no agenciamento de diferentes elementos (de uns ou de outros) que se formam os diversos modelos de masculinidades. Como foi possível constatar, trata-se de modelos de masculinidades embasados em uma sexualidade essencializada, naturalizada, heteronormativa, e de práticas desiguais de gênero. A zona de prostituição estudada é um espaço com padrões heterossexuais e de gênero que normatizam os comportamentos dos homens e das mulheres, do masculino e do feminino.
Nesse espaço do exercício da prostituição muitos homens se sentem como desprovidos da necessidade de provarem sua virilidade, poder de sedução, desempenho, dentre outras características, em função de uma dita democracia no acesso às mulheres (que no artigo também questiono). Reitero a importância de uma divisão entre as performances das mulheres, entre prostituta e não prostituta.
Também refleti sobre alguns elementos que compunham agenciamentos de diferentes modelos de masculinidades: não pagar para se relacionar sexualmente com uma prostituta; permanecer mais tempo no quarto de programa; receber e demonstrar publicamente os privilégios de uma prostituta; diferenciar-se da figura do cliente; prover mulheres; obrigar a prostituta que se tornou sua esposa a não se prostituir; não sentir ciúme; defender sua honra; relacionar-se com mulheres, e gastar dinheiro com as prostitutas. Ao refletir sobre as razões que levam os homens a procurar prostitutas, penso que os motivos mais importantes seriam a sociabilidade entre homens e a possibilidade de realizar diferentes práticas sexuais com prostitutas.
Tem-se debatido a noção de que toda prostituição constitui uma forma de exploração sexual. Entretanto, seus trabalhos favorecem a compreensão da prostituição como escolha individual autônoma...
Sempre tive como desafio nos meus estudos referentes ao tema do exercício de prostituição desconstruir o preconceito que a sociedade como um todo tem a esse respeito. Busquei observá-la a partir de outros olhares, para além da compreensão de que é uma ação isolada, exótica, perigosa, o mal necessário. E, da mesma forma, demonstrar que as prostitutas não são apenas vítimas da lógica capitalista. Com isso quero demarcar o lugar que me posiciono e compreendo a atividade da prostituição. Entendo a prostituição como um trabalho em que se trocam serviços sexuais por um bem e, assim, se estabelece uma relação econômica. E, além disso, há características de organização para o exercício da prostituição – regras, horários, regularidades, rotinas, preços, contatos – que a estruturam como um trabalho. Entretanto, assim como alerta Cláudia Fonseca em um texto de 1996, “é evidente que a prostituição, com seu status estigmatizado, alvo de repressão policial e censura pelo senso comum, não é uma profissão como qualquer outra”.
Muitas pessoas, ainda hoje, concebem o trabalho das prostitutas como se elas fossem escravas ou mulheres dominadas pelos homens. Defendo que as prostitutas têm autonomia no seu trabalho, no qual elas impõem os limites e os termos da interação com seus clientes. Este olhar coloca a mulher em um lugar de possibilidade de escolha em relação aos seus atos e ao seu corpo. Com isso não afirmo que o poder esteja apenas nas mãos das prostitutas, apesar desse ser o discurso das prostitutas que convivi. Tanto a mulher como o homem tem suas práticas sociais e sexuais dotadas de regras, as quais, são construídas a partir de suas escolhas e comprometimento, em que ambos buscam o agenciamento do seu sujeito social. Portanto, continuar olhando para a prostituta enquanto um sujeito vitimizado desta relação parece colocá-la em um lugar de desprivilégio social. Inclusive, acredito que muitas vezes a prostituta é vista, principalmente pelo senso comum, com tanto preconceito justamente em razão da dificuldade de compreender que a mulher – enquanto sujeito social – tem autonomia do seu corpo: ela pode usá-lo como melhor achar a partir de suas escolhas, o que significa, inclusive, fazer parte do comércio sexual, o que não significa de forma alguma exploração.
 
O que há de transgressor em ir a uma zona de prostituição?
 
O fato de se estar em um contexto de prostituição não significa estar desconstruindo normas sociais, não significa estar ressignificando o conservadorismo sexual e, muito menos, a libertação sexual. O fato de se estar em um contexto de prostituição não implica, fundamentalmente, estar “fora” dos padrões heterossexuais e de gênero que normatizam os comportamentos na nossa sociedade. Importa mais separar o que acontece com as esposas e com as prostitutas. Afinal, aqui são regras sociais que gerenciam a sociedade. Para que o universo da prostituição permaneça no imaginário do mal necessário, deverá constar que lá se realiza o diferente. Parece mesmo que no contexto da Vila Mimosa é possível observar a normatização de comportamentos, em que os homens buscam prazeres diferenciados dependendo do contexto onde encontram as mulheres e elas parecem corroborar essa concepção.
Publicada em: 13/04/2010 às 12:00 entrevista
Em: http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=_BR&infoid=6615&sid=43

Prostituição e Economia

Publicada em: 13/04/2010 às 11:40
notícias CLAM

 
A prostituição tem sido tradicionalmente pensada através de dois vieses: o da ordem pública e o dos valores morais, ou seja, a prostituta ora é vista pelas autoridades como uma ameaça a ser reprimida, ora como pecadora pelas igrejas. “Mas quase nunca a prostituição é entendida como uma atividade econômica”, chamam a atenção os pesquisadores Thaddeus Blanchette (UFRJ/UNISUAM) e Ana Paula da Silva (USP), autores do paper “Amor um real por minuto: a prostituição como atividade econômica no Brasil urbano” , apresentado no Diálogo Latino-Americano sobre Sexualidade e Geopolítica, evento organizado pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW) em agosto do ano passado para debater as interseções entre sexualidade, política, ciência, economia e religião.
“Há uma lógica econômica por trás da prostituição. Mas eu não diria que a crise econômica ou que a má situação da economia brasileira produzem prostitutas. As mulheres se prostituem por dinheiro. Quando se pergunta às pessoas porque elas se engajam na prostituição, a resposta é quase única e unânime. Nas palavras de uma de nossas informantes: ‘It’s the money, honey. É tudo por dinheiro. O que você acha?’”, lembra Thaddeus.
Para ele, ambas as visões – o viés da ordem pública e o de fundo moral – negam a racionalidade econômica como motivação primária da decisão do indivíduo de se prostituir, situando esta pessoa ou como pervertida e moralmente falida ou como alguém cuja vontade tem sido subjugada por terceiros. “As pessoas sempre têm que procurar uma justificativa para a prostituição por causa do estigma. Interessante é entender a prostituição como um trabalho organizado socialmente, que é entendido e consumido pela sociedade”, avalia o pesquisador.
Pensar de que maneira esse mercado está sendo organizado foi o que o levou, juntamente com Ana Paula da Silva, a mais de cinco anos de pesquisa antropológica entre prostitutas e clientes na região sul-sudeste do Brasil. A etnografia incluiu desde pontos de prostituição da orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, a São Paulo. Foram investigadas diversas modalidades da atividade, como os pontos de ruas, bares, restaurantes, praias, casas de massagem, termas e boates, serviços de call girls, escort e agências, além da chamada girlfriend experience, onde o cliente paga para a mulher acompanhá-lo exclusivamente por um período extenso que pode variar entre um fim de semana até um mês ou mais.
“A maioria das mulheres que entrevistamos não escolheu a prostituição como a primeira coisa que elas iriam fazer na vida, se tivessem opção. Porém, todas elas falam que, no seu campo de possibilidades, a prostituição atinge melhor o que elas precisam em termos de flexibilidade e dinheiro ganho”, afirma Ana Paula.
A pesquisadora relaciona a procura por este nicho profissional às velhas questões ligadas à inserção das mulheres no mercado de trabalho formal. “No contexto urbano, a idéia de que a mulher ainda é responsável pela casa, pela família, pelos filhos e pelos velhos que estão doentes impede muitas vezes que ela possa ter uma carreira. Uma questão a ser colocada é que não se pode deixar de pensar sobre as relações de gênero no mercado de trabalho. Historicamente, apesar das conquistas femininas, existe uma desvantagem nos trabalhos exercidos por mulheres, na maneira como o mercado organiza e sempre organizou a mão de obra feminina”, sugere Ana Paula.
Para Thaddeus, a pouca valorização da mulher no mercado de trabalho formal e as diferenças salariais em relação aos homens “empurram a mulher para trabalhos com certo grau de flexibilidade” .
As conclusões tiradas pelos pesquisadores têm base nos depoimentos de suas informantes, como o de uma trabalhadora sexual da Praça da República, no centro do Rio, que afirmou: “Não largo isto para virar caixa de supermercado”. Os antropólogos lembram que, para ela, a prostituição – longe de ser uma ameaça para a família, já que a atividade da mulher não era segredo para o marido – virara a única maneira em que ela podia reproduzir adequadamente a vida doméstica de uma esposa tradicional. “Em seu depoimento, ela nos disse: ‘Já são passados os dias em que o homem ganhava o suficiente para a mulher ficar em casa, cuidando dos filhos’”, lembram.
Segundo eles, outro elemento sempre presente nas falas de suas informantes é a idéia de transitoriedade. Frases como “Quando eu casar com um cliente, vou terminar meus estudos e deixar de ser prostituta” são recorrentes.
“Acho que isto se deve ao fato de ninguém conseguir imaginar uma prostituta na terceira idade, por não ser este um modelo. A prostituição é uma atividade que valoriza o corpo jovem e a vitalidade”, salienta Ana Paula.
Na análise dos pesquisadores, a prostituição permite que algumas mulheres tenham outras oportunidades que não teriam se fossem vendedoras, por exemplo. “A prostituição não é uma profissão que produza muitos milionários, mas gera, para muitas mulheres, uma sensível ascensão de classe. Muita gente diz que educação é a solução para a prostituição. O que a gente vê sempre em nosso trabalho de campo é que a prostituição é, muitas vezes, a solução para a educação. Muitas mulheres estão em suas faculdades e em cursos particulares com os ganhos da prostituição”, observa Blanchette.
Segundo eles, a modalidade de “um real por minuto” parece ser o padrão para o chamado salário mínimo da prostituição. “Não encontramos nada mais barato que isso. Mas o interessante é que as pessoas sempre ficam chocadas com ‘R$ 1 por minuto’. O ponto chave não é a negociação desta quantia, mas quanto tempo mínimo o cliente tem que pagar, seja 10 ou 15 minutos, uma hora, duas horas. Para muitas, o programa mínimo é de duas horas. Então, é um pouco enganoso focalizar neste ‘um real por minuto’, porque o ponto negociado sempre é o tempo mínimo do programa”, explica o pesquisador.
Para Ana Paula, outra questão interessante é pensar o tempo do trabalho na modernidade. “É ilusório pensar que as leis que regulam o mercado de trabalho formal não valem na prostituição porque o trabalho sexual é uma outra coisa. Vivemos em uma sociedade que valoriza e é regulada pelo trabalho, pela produção. A prostituição não é diferente nesse sentido”, salienta.
Nesta perspectiva, o que inquietou bastante os pesquisadores foi descobrir exatamente o que está sendo produzido no marco sexual da prostituição. Ex-prostituta da Boca do Lixo, em São Paulo, e da Vila Mimosa, no Rio de Janeiro, a socióloga Gabriela Leite diz, por exemplo, que o que a prostituição produz é a fantasia sexual. “Com certeza, é isso. Mas existem muitos insumos que entram aí, não é simplesmente o sexo: tem que ter, por exemplo, o lugar para a mulher encontrar o cliente. Então, a prostituição, enquanto uma atividade, é muitas vezes similar à produção de uma peça de teatro, que tem o ato sexual como sua componente central”, compara Blanchette.
Eles também desmitificam uma outra crença: a idéia de que a mulher mais bonita ganha mais. “Isso não é verdade. Sim, se você vai a um lugar pé-de-chinelo, mais trash, você vai encontrar mulheres consideradas mais feias. Se você for a um lugar de elite, você vai encontrar aquelas mulheres de beleza canônica como as da capa da revista Playboy. Mas é possível encontrar uma mulher com beleza canônica da Playboy vendendo sexo a 10 reais por 10 minutos. E é possível também encontrar uma mulher considerada feia vendendo por 200 reais. Então, como um mesmo tipo de mulher vende sexo por 10 reais aqui e 200 reais ali? Em nossas inserções no campo, ficamos cada vez mais convencidos de que o homem não paga para a mulher, ele paga para os outros homens que o estão vendo ali”, revela o pesquisador.
Assim, segundo os pesquisadores, um dos pontos que movimentam a economia do mercado sexual seria exatamente uma performance de masculinidade, como comprar uma revista Playboy, por exemplo. “Ou seja, procurar por uma prostituta é uma performance masculina. Quando a gente entra em muitos lugares, os homens não estão olhando para as mulheres, estão olhando para os outros homens. Olham para si mesmos. É bem aquela coisa: ‘Eu, homem, estou aqui no prostíbulo onde vou pegar essa mulher’. E os outros homens estão lá para ver aquilo. E o que você está pagando, em muitos casos, é a qualidade da platéia que assiste a sua performance, seja ela de executivos ou de office boys”, diz o antropólogo.
“É uma hipótese que a gente está querendo explorar mais. Estamos tentando relativizar a idéia de que a mulher é o foco da prostituição, essa idéia do consumo da mulher, e tentando olhar um pouco mais para os homens e ver o que, de fato, está sendo consumido ali”, afirma Ana Paula.

Grávidas da violência




Foto: Getty Images/Photodisc
O aborto é a principal causa de morte materna

Cinco mulheres por dia buscam ajuda para interromper a gravidez

Fernanda Aranda, iG São Paulo | 12/04/201011:50

Todos os dias, cinco mulheres que engravidaram vítimas de estupros recorrem aos serviços de aborto legal do País.
A violência, mostram os dados, pode acontecer em qualquer idade. Entre as gestantes, estão meninas de apenas dez anos e também senhoras de 60.
O aborto é considerado crime no País mas a lei abre exceções para casos em que a gestação é resultado de violência ou quando a mulher corre risco de morrer por causa da gravidez.
Nestas condições, as pacientes podem ir aos serviços especializados, onde são acolhidas por equipes de médicos, psicólogos e auxiliares capacitados no atendimento do chamado aborto legal.
Um levantamento do Ministério da Saúde, feito a pedido do Delas, mostra que desde 2003 até o ano passado, 14.460 histórias de gestações do tipo passaram pelas 60 unidades de referência em aborto legal existentes no País. Nos locais especializados, a maioria absoluta é de vítimas de estupro.
Do total de grávidas atendidas, duas delas tinham 60 anos, mas o que chama atenção é a parcela que não completou o 18º aniversário. Uma em cada cinco é menor de idade. Entre os números registrados no banco de dados estão casos como a da menina de nove anos, moradora de um município de Pernambuco, que no ano passado engravidou de gêmeos do próprio padrasto. O ventre saliente, suspeitaram os médicos inicialmente, era uma verminose. A gestação já estava na 16ª semana e foi o que quebrou um ciclo de violência repetido durante anos dentro da casa da garota.

Violência consecutiva

O enredo de Pernambuco é recorrente, mostram estimativas do Hospital Pérola Byngton – referência de São Paulo para este atendimento. Lá, mais da metade dos mil atendimentos anuais é de crianças menores de 14 anos. Quando as vítimas são meninas, contam os especialistas do Pérola, elas costumam sofrer estupros consecutivos por cinco anos, em média, até o agressor ser descoberto.
O sigilo é mantido com ameaças por parte do abusador e também por causa do organismo imaturo das vítimas, que ainda sequer menstruou. Quando o corpo fica preparado para a fecundação, a gravidez acaba rompendo o pacto de silêncio, sem deixar de trazer sérias consequências às vítimas.
“Em geral, o grupo mais vulnerável (menores de 14), é cronicamente abusado durante muito tempo. A família e a sociedade só se deparam com a situação, quando a barriga aparece”, afirma Cristião Rosa, secretário da comissão nacional de combate a violência da mulher da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Em 90% dos casos, os abusadores de crianças conhecem a vítima. Em mais da metade deles são os próprios pais ou padrastos.

Pais, padrastos, maridos

Ainda que as vítimas sejam mais velhas, a violência sexual não deixa de ser cometida por pessoas muito próximas. Segundo o Ipas – organização social que atua no mundo todo e também no Brasil em favor das mulheres vítimas de violência - no País é registrada uma taxa de 8,7 estupros em cada 100 mil mulheres e, em maioria, os autores das agressões costumam ser conhecidos. Se com as crianças, o agressor é o pai ou padrasto, as mulheres mais velhas são vítimas do marido, de amigos e de conhecidos.
“Não podia ter aquele filho, daquele jeito. Porque era parte de mim, mas era fruto de uma violência”, afirmou Karina, 29 anos, relações públicas e um dos depoimentos presentes no livro publicado ano passado pelo Ipas, que contou a história de 15 mulheres dois anos depois da realização do aborto legal.
Essa realidade de inimigo íntimo, acredita Leila Adesse – diretora do Ipas Brasil – faz com que a questão violência seja trabalhada em duas frentes. Não apenas a disponibilidade dos serviços especializados precisa ser ampliada, mas também as mulheres e meninas precisam ter consciência do que é a violência, que pode morar dentro de casa.

Ampliação dos serviços


Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada semana passada, mostrou que a violência “exporta” diariamente 1.800 pacientes para os serviços públicos de saúde brasileiros. Boa parte das mulheres chega nesses locais por conta de agressões e estupros.
Ao lado desta estatística, está o dado que a principal causa de morte materna das mulheres é o aborto inseguro, feito em clínicas clandestinas, com o auxílio de medicamentos piratas e procedimentos invasivos nada higiênicos (como a agulha de crochê).
Os dados mais recentes mostram que 20% das mulheres com mais de 18 anos já fizeram um aborto na vida. Um estudo de 2000 revelou que 28% das que abortaram não procuraram o médico nem antes e nem depois do aborto. No ano passado, levantamento feito no portal DataSUS mostrou que 98 mil curetagens pós aborto inseguro foram feitas em território nacional.
Esta sequência de números faz com que o Ministério da Saúde trabalhe com a proposta de ampliar a rede especializada de atendimento das mulheres vítimas de violência. Segundo diretor do Departamento de Ações Programáticas do Ministério da Saúde, José Telles, entre 2008 e 2009 já houve um incremento de serviços, passando de 138 para 481. "A ideia é crescer ainda mais", diz.
As unidades que estão credenciadas para fazer o aborto legal, oficialmente, ainda são 60. A constatação de que um estado grande como a Bahia só tem uma unidade (em São Paulo são 10, em Minas Gerais 5) é um termômetro da carência. O diretor da Febrasgo, Cristião Rosa, acredita que o número é maior e até a realização de abortos legais está subestimada. "Por falhas no preenchimento de dados e até por uma cautela em dar esta informação", acredita.
A Igreja Católica e também algumas evangélicas são contrárias a qualquer tipo de aborto, inclusive os que têm autorização legal para serem feitos. As mulheres, vítimas da violência, não são obrigadas a abortar. Mas, se quiserem, podem procurar ajuda nos serviços credenciados.

Ver mais em:  http://delas.ig.com.br/saudedamulher/gravidas+da+violencia/

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