Publicada em: 13/04/2010 às 11:40
notícias CLAM
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A prostituição tem sido tradicionalmente pensada através de dois vieses: o da ordem pública e o dos valores morais, ou seja, a prostituta ora é vista pelas autoridades como uma ameaça a ser reprimida, ora como pecadora pelas igrejas. “Mas quase nunca a prostituição é entendida como uma atividade econômica”, chamam a atenção os pesquisadores Thaddeus Blanchette (UFRJ/UNISUAM) e Ana Paula da Silva (USP), autores do paper “Amor um real por minuto: a prostituição como atividade econômica no Brasil urbano” , apresentado no Diálogo Latino-Americano sobre Sexualidade e Geopolítica, evento organizado pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW) em agosto do ano passado para debater as interseções entre sexualidade, política, ciência, economia e religião.
“Há uma lógica econômica por trás da prostituição. Mas eu não diria que a crise econômica ou que a má situação da economia brasileira produzem prostitutas. As mulheres se prostituem por dinheiro. Quando se pergunta às pessoas porque elas se engajam na prostituição, a resposta é quase única e unânime. Nas palavras de uma de nossas informantes: ‘It’s the money, honey. É tudo por dinheiro. O que você acha?’”, lembra Thaddeus.
Para ele, ambas as visões – o viés da ordem pública e o de fundo moral – negam a racionalidade econômica como motivação primária da decisão do indivíduo de se prostituir, situando esta pessoa ou como pervertida e moralmente falida ou como alguém cuja vontade tem sido subjugada por terceiros. “As pessoas sempre têm que procurar uma justificativa para a prostituição por causa do estigma. Interessante é entender a prostituição como um trabalho organizado socialmente, que é entendido e consumido pela sociedade”, avalia o pesquisador.
Pensar de que maneira esse mercado está sendo organizado foi o que o levou, juntamente com Ana Paula da Silva, a mais de cinco anos de pesquisa antropológica entre prostitutas e clientes na região sul-sudeste do Brasil. A etnografia incluiu desde pontos de prostituição da orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, a São Paulo. Foram investigadas diversas modalidades da atividade, como os pontos de ruas, bares, restaurantes, praias, casas de massagem, termas e boates, serviços de call girls, escort e agências, além da chamada girlfriend experience, onde o cliente paga para a mulher acompanhá-lo exclusivamente por um período extenso que pode variar entre um fim de semana até um mês ou mais.
“A maioria das mulheres que entrevistamos não escolheu a prostituição como a primeira coisa que elas iriam fazer na vida, se tivessem opção. Porém, todas elas falam que, no seu campo de possibilidades, a prostituição atinge melhor o que elas precisam em termos de flexibilidade e dinheiro ganho”, afirma Ana Paula.
A pesquisadora relaciona a procura por este nicho profissional às velhas questões ligadas à inserção das mulheres no mercado de trabalho formal. “No contexto urbano, a idéia de que a mulher ainda é responsável pela casa, pela família, pelos filhos e pelos velhos que estão doentes impede muitas vezes que ela possa ter uma carreira. Uma questão a ser colocada é que não se pode deixar de pensar sobre as relações de gênero no mercado de trabalho. Historicamente, apesar das conquistas femininas, existe uma desvantagem nos trabalhos exercidos por mulheres, na maneira como o mercado organiza e sempre organizou a mão de obra feminina”, sugere Ana Paula.
Para Thaddeus, a pouca valorização da mulher no mercado de trabalho formal e as diferenças salariais em relação aos homens “empurram a mulher para trabalhos com certo grau de flexibilidade” .
As conclusões tiradas pelos pesquisadores têm base nos depoimentos de suas informantes, como o de uma trabalhadora sexual da Praça da República, no centro do Rio, que afirmou: “Não largo isto para virar caixa de supermercado”. Os antropólogos lembram que, para ela, a prostituição – longe de ser uma ameaça para a família, já que a atividade da mulher não era segredo para o marido – virara a única maneira em que ela podia reproduzir adequadamente a vida doméstica de uma esposa tradicional. “Em seu depoimento, ela nos disse: ‘Já são passados os dias em que o homem ganhava o suficiente para a mulher ficar em casa, cuidando dos filhos’”, lembram.
Segundo eles, outro elemento sempre presente nas falas de suas informantes é a idéia de transitoriedade. Frases como “Quando eu casar com um cliente, vou terminar meus estudos e deixar de ser prostituta” são recorrentes.
“Acho que isto se deve ao fato de ninguém conseguir imaginar uma prostituta na terceira idade, por não ser este um modelo. A prostituição é uma atividade que valoriza o corpo jovem e a vitalidade”, salienta Ana Paula.
Na análise dos pesquisadores, a prostituição permite que algumas mulheres tenham outras oportunidades que não teriam se fossem vendedoras, por exemplo. “A prostituição não é uma profissão que produza muitos milionários, mas gera, para muitas mulheres, uma sensível ascensão de classe. Muita gente diz que educação é a solução para a prostituição. O que a gente vê sempre em nosso trabalho de campo é que a prostituição é, muitas vezes, a solução para a educação. Muitas mulheres estão em suas faculdades e em cursos particulares com os ganhos da prostituição”, observa Blanchette.
Segundo eles, a modalidade de “um real por minuto” parece ser o padrão para o chamado salário mínimo da prostituição. “Não encontramos nada mais barato que isso. Mas o interessante é que as pessoas sempre ficam chocadas com ‘R$ 1 por minuto’. O ponto chave não é a negociação desta quantia, mas quanto tempo mínimo o cliente tem que pagar, seja 10 ou 15 minutos, uma hora, duas horas. Para muitas, o programa mínimo é de duas horas. Então, é um pouco enganoso focalizar neste ‘um real por minuto’, porque o ponto negociado sempre é o tempo mínimo do programa”, explica o pesquisador.
Para Ana Paula, outra questão interessante é pensar o tempo do trabalho na modernidade. “É ilusório pensar que as leis que regulam o mercado de trabalho formal não valem na prostituição porque o trabalho sexual é uma outra coisa. Vivemos em uma sociedade que valoriza e é regulada pelo trabalho, pela produção. A prostituição não é diferente nesse sentido”, salienta.
Nesta perspectiva, o que inquietou bastante os pesquisadores foi descobrir exatamente o que está sendo produzido no marco sexual da prostituição. Ex-prostituta da Boca do Lixo, em São Paulo, e da Vila Mimosa, no Rio de Janeiro, a socióloga Gabriela Leite diz, por exemplo, que o que a prostituição produz é a fantasia sexual. “Com certeza, é isso. Mas existem muitos insumos que entram aí, não é simplesmente o sexo: tem que ter, por exemplo, o lugar para a mulher encontrar o cliente. Então, a prostituição, enquanto uma atividade, é muitas vezes similar à produção de uma peça de teatro, que tem o ato sexual como sua componente central”, compara Blanchette.
Eles também desmitificam uma outra crença: a idéia de que a mulher mais bonita ganha mais. “Isso não é verdade. Sim, se você vai a um lugar pé-de-chinelo, mais trash, você vai encontrar mulheres consideradas mais feias. Se você for a um lugar de elite, você vai encontrar aquelas mulheres de beleza canônica como as da capa da revista Playboy. Mas é possível encontrar uma mulher com beleza canônica da Playboy vendendo sexo a 10 reais por 10 minutos. E é possível também encontrar uma mulher considerada feia vendendo por 200 reais. Então, como um mesmo tipo de mulher vende sexo por 10 reais aqui e 200 reais ali? Em nossas inserções no campo, ficamos cada vez mais convencidos de que o homem não paga para a mulher, ele paga para os outros homens que o estão vendo ali”, revela o pesquisador.
Assim, segundo os pesquisadores, um dos pontos que movimentam a economia do mercado sexual seria exatamente uma performance de masculinidade, como comprar uma revista Playboy, por exemplo. “Ou seja, procurar por uma prostituta é uma performance masculina. Quando a gente entra em muitos lugares, os homens não estão olhando para as mulheres, estão olhando para os outros homens. Olham para si mesmos. É bem aquela coisa: ‘Eu, homem, estou aqui no prostíbulo onde vou pegar essa mulher’. E os outros homens estão lá para ver aquilo. E o que você está pagando, em muitos casos, é a qualidade da platéia que assiste a sua performance, seja ela de executivos ou de office boys”, diz o antropólogo.
“É uma hipótese que a gente está querendo explorar mais. Estamos tentando relativizar a idéia de que a mulher é o foco da prostituição, essa idéia do consumo da mulher, e tentando olhar um pouco mais para os homens e ver o que, de fato, está sendo consumido ali”, afirma Ana Paula.
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